NOTÍCIAS

...

Crianças apresentam indisposição, dificuldade para socializar e saudade das telas no pleno retorno às aulas presenciais

Dentro das escolas, professores relatam crianças menos dispostas, mais dispersas, inseguras para iniciar relações com os colegas e até com dificuldade para escrever ou amarrar os tênis, atividades básicas para os primeiros anos da vida escolar.

Os dois longos anos de pandemia da Covid-19, com excesso de telas e escassez de contato — realidade de muitas famílias com filhos confinados em casa — cobraram um preço também aos meninos e meninas em idade escolar. Os impactos de época tão confusa, agora, com o pleno retorno presencial às escolas, tornaram-se visíveis nas rotinas das salas de aula.

No departamento infantil do Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo, chamado de “Portinho”, a professora Mariana Marinho reparou que as crianças estão diferentes até na postura corporal. A energia para brincar, correr e, é claro, bagunçar um pouco, se esvaiu. De acordo com a educadora, o corpo das crianças está menos ativo. Até o jeito de sentar mudou.

Mariana diz que os alunos costumam ficar mais reclinados nas cadeiras, como se estivessem em um sofá. O pescoço tem ficado mais curvado, parecido com o movimento necessário para mirar o celular. Por vezes, os alunos chegam a pedir acesso aos joguinhos virtuais e vídeos de desenho, mesmo durante o andamento das atividades em sala de aula.

— Há uma desconexão corporal, as crianças estão mais desmotivadas. Antes da pandemia, quando convidadas para brincar, elas já estavam do outro lado do bosque antes de você terminar de convidá-las para correr, o que não acontece mais. É preciso reconectá-las (a essas atividades) — afirma a professora.

No Colégio Dante Alighieri, tradicional escola de São Paulo, as diferenças foram percebidas ainda no retorno híbrido, no ano passado. E a direção da escola decidiu adotar novas regras de convivência, envolvendo as famílias. Primeira norma: nada de celular, inclusive durante o intervalo. As telas deram lugar a jogos de tabuleiro, mesas de ping-pong e totó, entre outras brincadeiras e atividades de Educação Física.

— O excesso do digital diminuiu a capacidade de atenção dos alunos às narrativas e construções que precisam fazer. Notamos também dificuldade de se aprofundar nas questões pedagógicas e uma necessidade de conexão com os amigos o tempo inteiro — conta Sandra Tonidandel, diretora pedagógica do Ensino Fundamental 2 e do Ensino Médio do Dante.

Outros problemas que já eram vistos em anos anteriores apareceram acentuados, dizem professores. Um deles é o atraso na fala — uma demora mais que a esperada para ter fluência verbal. Essa habilidade é desenvolvida, normalmente, ao longo da educação infantil. Também foram observadas, nas salas de aula, menos crianças que sabem fazer o movimento de “pinça” para segurar o lápis e traçar as primeiras letras e desenho, diz a coordenadora do Colégio Presibiteriano Mackenzie, em São Paulo, Márcia Regis.

— Elas apresentam dificuldade para acompanhar a rotina da escola, com todos lanchando ao mesmo momento, ou dividindo o momento de ir ao parque. Elas estão acostumadas a viver mais em sua individualidade, observando a tela do celular. Por vezes demonstram falta de interesse. E, para essa situação, oferecemos atividades lúdicas que ajudam a partilhar os brinquedos e o espaço — explica.

A dificuldade de “desmame” das telas é também comprovada nos consultórios médicos, com bebês, crianças e jovens expostos a telas por períodos impensáveis antes da pandemia.

— Levar a criança para a escola, para passear, para brincar, são atividades que naturalmente vão reduzir o tempo de tela. Claro que elas vão resistir, porque na pandemia ficaram muito tempo, e isso de certa forma liga o vício e torna mais difícil fazer esse desmame. Mas uma criança resiste nos primeiros minutos. Não se pode desistir. É esperar ela se acalmar, ajudá-la a ficar tranquila, e então seguir com a atividade planejada para que ela possa se desligar das telas — diz o pediatra Daniel Becker, médico sanitarista do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Mesmo os colégios que não ressaltam uma postura hiperconectada das crianças notam outras dificuldades de interação social. No Pentágono, também em São Paulo, a dificuldade se deu em um grande receio de fazer amigos, em criar novos laços, observa a diretora da instituição, Eloiza Centeno.

— Eles estão mais sensíveis à socialização aos pares e adultos. Em anos anteriores, as crianças eram mais seguras por já terem passado pela experiência de conversar com outros grupos — diz.

Ainda assim, porém, a professora vê com bons olhos a turma de pequenos que rompe a porta do colégio diariamente neste 2022. Para ela, as dificuldades fazem parte da necessária adaptação nestes primeiros meses do ano letivo. E, para o sucesso dessa chegada, é preciso acolher e abrir diálogo com as crianças e as famílias.

Um atalho para esse sucesso está na conexão de meninos e meninas de diferentes faixas etárias dentro da sala de aula, acredita a professora Celise Iraola, que atua na educação infantil na rede pública paulistana. Com o ensino infantil híbrido — em que crianças de 4 a 6 anos partilham as mesmas classes — os maiores ajudam as crianças menores a conquistar certa independência, por exemplo, ao aprender a amarrar os sapatos juntos, ou colocar as máscaras de proteção para a Covid-19.

— Vejo as crianças mais inquietas, mas tento trazer propostas de aulas focadas no que elas pensam e estão interessadas. O importante é sempre ouvi-las. Assim elas interagem muito mais — conclui a professora.

Imagem: arquivo Sieeesp

Link da matéria: https://www.mixvale.com.br/2022/03/06/criancas-apresentam-indisposicao-dificuldade-para-socializar-e-saudade-das-telas-no-pleno-retorno-as-aulas-presenciais/amp/

COMPARTILHE:
R. Benedito Fernandes, 107 - Santo Amaro - São Paulo | (11) 5583-5500