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‘Não temos maturidade para o ensino doméstico’

A diretora regional do Sieeesp, Oswana M. F. Fameli defende que a escola é o principal local de sociabilização dos alunos e, que as instituições complementam a educação e os valores que são passados pelos pais

A diretora regional do Sieeesp, Oswana M. F. Fameli, é vice-presidente da Aesp (Associação das Escolas Particulares do Grande ABC) e mantenedora do Centro Educacional Paineira. Com ampla experiência na área educacional, ela acredita que o País não está preparado para implantação do ensino doméstico e que falta expertise para aplicação desse método na educação brasileira. A vice-presidente defende que a escola é o principal local de sociabilização dos alunos e, que as instituições complementam a educação e os valores que são passados pelos pais.

Qual foi o impacto da pandemia para as escolas privadas?

Foram diversos aspectos, o primeiro deles foi a questão pedagógica educacional de aprendizagem, que teve impacto muito grande, forte e ruim. De um lado as escolas permanecerem fechadas, enquanto os bares estavam abertos, sendo a escola um ambiente seguro. Então a questão da aprendizagem ficou comprometida, além da questão emocional dos nossos pequenos que ficou bastante influenciada. E por outro lado cito a questão econômica nas escolas, que tiveram grande dificuldade de poder realizar e assumir os compromissos para colocar tudo dia. Uma interferência grande, por exemplo, do próprio Procon (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor), que quis interferir no valor das mensalidades. Eles não mexeram no preço da carne, da batata ou do combustível, mas quis interferir na questão das mensalidades escolares, sabendo que as instituições estavam fazendo grandes investimentos, principalmente na área tecnológica.

E como as escolas têm lidado com essa questão do emocional dos alunos, das famílias e da própria equipe?

Aqui na escola adotamos o projeto chamado Hora da Conversa, promovido durante o período de pandemia onde nos reuníamos com os familiares dos alunos para debater diversos temas. Mesmo com o retorno das aulas, a iniciativa continua ocorrendo a cada 15 dias. E os pais, inclusive, chamam o projeto de terapia de famílias, que conta com a orientação da equipe escolar. Em relação aos alunos e os profissionais da escola, eles estão recebendo suporte de psicólogos e psicopedagogas para auxiliar na questão emocional.

No geral vocês têm sentido as crianças mais agressivas? 

Não agressivas, mas mais egocêntricas devido ao período do isolamento físico ocasionado pela crise sanitária. Por isso, estamos trabalhando o pertencimento ao grupo, o compartilhamento e entender quais são os limites e as responsabilidades de cada jovem. Algo que foi comprometido não só aqui nas escolas do Grande ABC ou até mesmo no Brasil, mas em nível mundial. 

Não é difícil imaginar que muitas crianças tiveram acesso precoce à tecnologia por conta de necessidade, não é?

Sem dúvida! Se você perguntasse há dois anos o que eu achava da tecnologia no dia das crianças ia dizer “Pelo amor de Deus, a gente precisa viver, precisa brincar, correr, pular amarelinha, precisa ter vivência”. Porém, durante a pandemia, passei dois pedindo para os pais liberarem os celulares, os tablets e os computadores para acesso às aulas remotas e, foi isso que trouxe a possibilidade para fazermos o trabalho que fizemos. Alfabetizar de forma remota, foi, talvez, o maior desafio que vivemos na educação. O impacto tecnológico na escola hoje pode ser percebido pela iniciativa que implantamos. Foram instalados semáforos em diversos locais da escola, onde o vermelho é o uso proibido, o amarelo com observação e o verde é permitido o uso da ferramenta tecnológica dentro da unidade.

Depois da pandemia, a tecnologia vai passar a fazer mais parte da educação de forma geral?

Acredito que sim, acho que hoje a tecnologia é um caminho sem volta. Nós aqui, por exemplo, continuamos dentro da tecnologia, inclusive os alunos são orientados a ter a própria ferramenta tecnológica durante a aula. É claro que nas aulas específicas tem professores que pedem e trabalham mais, enquanto em outras não é nem permitido. Mesmo com a tecnologia, não abrimos mão da escrita do aluno. Acho que o exercício ortográfico ajuda na aprendizagem, então precisa da escrita, mas precisa também estar atualizado na questão da tecnologia, do uso da ferramenta tecnológica, de todo trabalho que a gente tem feito. 

A associação tem números de quantas escolas fecharam na região ou quantos alunos migraram para rede pública?

Não temos números oficiais, mas sabemos que são dados bem altos. Infelizmente, em função da situação econômica, todo mundo passou dificuldade e ainda passa. É um momento muito tênue na educação, cada escola se reinventando na medida em que conseguem andar para a frente, ter um olhar diferenciado, mas muitas ficaram pelo caminho. Disso eu não tenho dúvida.

A maioria das escolas privadas já tinha tecnologia no seu dia a dia. O quanto isso foi uma vantagem para o ensino remoto?

Quando a gente já tem uma uma expertise isso traz uma dianteira. Porém, desenvolver técnicas e metodologias no próprio ensino remoto, isso também foi um desafio para os nossos professores. Educar de forma remota é muito complicado. Alfabetizar de forma remota é muito difícil. Algumas crianças tiveram mais facilidades que outras, e isso é questão de habilidade e de competência. Então no retorno presencial é que precisamos fazer avaliações diagnósticas do que foi trabalhado efetivamente, quem de fato teve essa essa possibilidade de absorção e aprendizagem e quem teve mais dificuldade. Acho que fizemos um trabalho muito digno diante das circunstâncias, diante da situação que passávamos, mas sabemos que tem ainda muita dificuldade para transpor agora.

A pandemia serviu para mostrar o quão importantes são as escola e os professores?

Sem a menor sombra de dúvida. Os alunos hoje se relacionam socialmente somente na escola. Poucos são os que têm acesso à rua, a parques, aos vizinhos, nem todos moram em condomínios. Então, o principal local de sociabilização é a escola. E a gente percebe que a escola complementa a educação de casa, validando os valores que a família transmite. E aí é que eu quero chegar, que a escola não deve ser a terceirização da educação de casa. Ela deve ser o complemento da aprendizagem de casa. E o trabalho da educação formal. Por mais que você fale em homeschooling ou ensino doméstico, não temos maturidade, não estamos prontos para entender o que significa ensino doméstico nossa realidade, para sociedade que a gente vive. Existe uma discussão no Congresso Nacional sobre o tema, mas temos pesquisas que mostram que a cada 10 brasileiros, oito estão em desacordo com o ensino doméstico, porque não temos essa prontidão e essa expertise. Percebemos que as crianças precisam da convivência escolar. As famílias também precisam dessa convivência.

Com relação a essa perda de conteúdo é possível mensurar se ela foi pior em determinada faixa etária ou nível escolar ou foi uniforme para todo mundo?

Tenho a impressão que as crianças que não tiveram tanta autonomia na tecnologia acabaram sendo mais prejudicadas. Acho que os estudantes maiores, que já tem mais autonomia, tem mais iniciativa e trabalharam com as ferramentas tecnológicas com mais maturidade. Os alunos menores, que não tinham tanta autonomia e que precisavam do auxílio dos pais para acompanhar a página do livro, entrar no na sala virtual ou entregar o trabalho na plataforma, acredito que eles tiverem mais dificuldades e consequentemente foram mais prejudicados. Ousaria dizer que os que tiveram menos assessorias tiveram mais dificuldade, mesmo os maiores. 

A mudança na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) ocorreu no momento ideal, considerando a pandemia?

Essa mudança não veio para ficar. Era uma discussão desde 2017, e que já havia sido aprovada em 2019. Porém, a medida foi implantada bem na época da pandemia e agora existe toda essa discussão até em relação ao novo ensino médio, as atividades e as provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio. Estamos estudando e, trabalhando na nova base curricular, mas é uma questão de gestão pública. Infelizmente estamos à mercê disso. É difícil ter que fazer tudo isso nesse tempo, que ainda estamos sofrendo com as sequelas da crise sanitária. Teremos pelo menos uma década para lidar com as perdas na aprendizagem devido a pandemia. Acho que essa é uma questão de toda a sociedade, mas talvez se concentre mais na educação. E não existe sociedade sem uma boa educação. Esses jovens vão devolver para nossa sociedade a partir de tudo que receberam. E o que é que eles vão receber? 

A pandemia aprofundou a desigualdade entre ensino público e privado. Existe possibilidade das redes de alguma forma se apoiarem?

Acredito que sim, mas muitos profissionais que atuam na rede particular também atuam na rede pública. Então por que é diferente? Penso que a gente tem um problema maior do que a questão de conteúdo e de aprendizagem. Temos um problema de gestão! Nesse primeiro momento creio que as escolas particulares podem ajudar a gestão pública fazendo parcerias para dividir os alunos, por exemplo. A medida pode ajudar a acolher os estudantes excedentes que estão na rede pública e que precisam do apoio escolar. Porque quando a escola pública vai mal ela também puxa para baixo a escola privada. E a gente quer que esse nível seja elevado!

 

Imagem: arquivo Sieeesp

Link da matéria: https://www.dgabc.com.br/Noticia/3870251/nao-temos-maturidade-para-o-ensino-domestico

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